segunda-feira, 16 de junho de 2014

Com muita fama e todo o proveito

Em Alfama sente-se o fervilhar em cada pedra da calçada, o rádio não toca, mas ouve-se distintamente o som da marcha a ecoar pelas vozes do bairro.
Veste-se de verde e de amarelo, de sorrisos, de mãos nas ancas e de pés que batem no chão, em todo o sincronismo.
Vive-se vitória porque mais um título já cá canta. 
O pescoço inclina-se ainda mais para cima, as costas endireitam-se mais um pouco.
O orgulho é grande.
No largo do Salvador montam-se os bares com cerveja, preparam-se as brasas. 
No céu uma teia de fios coloridos e enfeites deixam espreitar as vizinhas que não descem à rua.
Na rua Castelo Picão, a D.Helena abraça-nos e prepara as melhores sardinhas, com o melhor pão, as melhores batatas e o melhor caldo verde.
Mãos abençoadas.
A banda afina os instrumentos, preparam-se para desfilar os vencedores.
Todo um mar verde e amarelo começa a descer a rua, num entusiasmo e alegria que não se descreve.
Já mais ao fim da noite, sentada na escada, vejo a menina, não mais que 7 ou 8, dançar como se da marcha fizesse parte. 
A avó da menina, sentada a meu lado, não me deixa cair na distração, enquanto carinhosamente me vai dando safanões repetindo o mesmo mantra "esta dança tudo".
Coisa que não se imita é esta, a pertença a uma terra ou a um bairro, este credo tão profundo e entranhado que se sente na pele.




de Lisboa, com amor
*a Lisboeta*

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Uma bagagem de amor (começar de novo)


Mão com mão, abraço correspondido, cama desmanchada, quente.
2 escovas de dentes.
2 pratos na mesa, 2 copos meio cheios.
O teu perfume e o perfume dele.
2 conjuntos de chaves.
2 despertadores a tocar de manhã.
Um número de telefone na marcação rápida.
Falar sobre o dia.
Ver um filme.
Fotografias com dois rostos e não apenas um.
2 sorrisos, 2 olhares que se misturam num só.
1 convite com 2 nomes.
2 torradas e 2 galões num domingo chuvoso.
Almoços de família.
Jantares de amigos.
Viagens a 2.
Uma bagagem de amor.

E quando acaba?
Quando um dos dois, que disse "para sempre", te ensina que para sempre tem uma data e um fim?
Como sobreviver a uma mão vazia, à necessidade de um abraço, a uma cama meia desmanchada, gelada porque agora é grande demais?
Como encarar o copo com uma escova de dentes, uma refeição individual, um sofá que de tão pequeno que parecia, transformou-se num monstro?
Como ocupar a cabeça, o lugar vazio, o silêncio que se instala nas paredes, que se infiltra em cada canto de ti?



"Amar é sofrer. 
Para evitares sofrer, não deves amar. 
Mas, dessa forma vais sofrer por não amar. 
Então, amar é sofrer, não amar é sofrer, sofrer é sofrer. 
Ser feliz é amar, ser feliz, então, é sofrer, mas sofrer torna-nos infelizes, então, para ser infeliz temos que amar, ou amar para sofrer, ou sofrer de demasiada felicidade - espero que estejas a perceber."Miguel Esteves Cardoso


Todas as pessoas que conheces vão te dizer que vais ultrapassar ( e muito provavelmente vais).

A tua família irá apoiar-te e ligar-te mais vezes (mais do que provavelmente irás querer).

A tua melhor amiga vai dizer-te que ele nunca te mereceu (quando se calhar, na verdade, ele até mereceu o melhor de ti).

Os teus colegas vão fingir que não se passa nada porque, afinal, tu pareces estar bem ( e livra-te de que alguém no teu trabalho perceba que não estás).

Vais olhar-te ao espelho e vais pensar que ainda és nova e que tens a vida inteira para te apaixonares ( para depois perceberes que se calhar, o que tu mesmo queres é nunca mais voltar a a fazê-lo).

E as horas, dias, semanas, meses, e se calhar até anos, vão passando, entre família, amigos e trabalho.

As noites já não te assustam, a escova de dentes não tem memória de ter tido um dia companhia;
A cama é perfeita para te rebolares num domingo preguiçoso, sem pressas, nem torradas, nem galões.
Tens pouca loiça para lavar e o sofá voltou a ser acolhedor.

Gostas de pegar no carro e dar uma volta, tu e os teus minutos, horas, dias sem fim.

A memória dele, a cinza do que foram, acompanha-te em cada passada, mas agora sem medo.

Tu, que um dia foste dele, voltas a pertencer-te.
E a vida continua, um pouco mais fria, um pouco mais sombria.
Mas continua.



*para ti, que não sabes que te escrevo nem que por vezes sinto o teu pesar comigo (nem como por vezes, devo ser a única pessoa neste mundo que te compreende)






de Lisboa, com amor

*a Lisboeta*