quarta-feira, 19 de março de 2014

Agora fala-se a sério#1# : Ser assistente social


Ontem comemorou-se o Dia Mundial da Assistência Social, e aproveitei para pedir a uma amiga, a Rute Ramos, assistente social, que nos falasse um bocadinho sobre a sua profissão, a sua experiência, dia a dia, dificuldades.

Vale a pena ler!


1. O que faz na realidade uma assistente social?

Na realidade, e isto na minha opinião deve ser um facilitador e catalisador. De acordo com a área/instituição onde trabalha deve ajudar a criar as condições para a MUDANÇA, quer seja ao nível do indivíduo, da família de grupos, instituições ou até de uma sociedade. Não ajudamos, isso cabe ao nosso alvo de intervenção, devemos ajudar a criar as condições para que se ajudem. 
Se uma sociedade está doente como acontece no contexto atual, cabe ao Serviço Social facilitar a MUDANÇA nem que seja expor/denunciar o que está mal; se uma pessoa está desorientada porque a mãe de idade já não consegue viver sozinha a Assistente Social deve informar as respostas existentes, aconselhar e ajudar na decisão do que é melhor para esse caso e encaminhar para os serviços, se uma instituição decide intervir numa problemática que adecta pessoas, um grupo ou comunidade, o Assistente Social, se possível integrado numa equipa multidisciplinar, deve construir projeto (s), ajudar a construir e gerir respostas sociais que satisfaçam as necessidades das pessoas e que atuem nas causas do(s)  problema(s).

Têm como elemento orientador os Direitos Humanos e o respeito incondicional pelo ser humano, pela sua liberdade, as suas diferenças e pelo que nos une.

2. O que te levou a seguir esta área?

Por duas razões, a primeira porque acredito que tendo as condições necessárias, todas as pessoas, grupos ou mesmo sociedades podem Mudar para melhor. Segundo porque é uma profissão de ação, e não tinha muito interesse em desenvolver um trabalho somente dentro de quatro paredes. 

3. Como é ser assistente social em Portugal? Quais as maiores dificuldades que sentes?

Definiria como "frustrante". 
Tem-se uma forma de ver o indivíduo e a sociedade: estuda-se reflete-se e incorpora-se dentro de nós tornando-se parte da nossa identidade quer como profissional quer como pessoa e depois temos um contexto completamente desorganizado sem qualquer ideologia e valores e mesmo muitas vezes sem organização. E temos ainda a dificuldade em aceder ao mercado de trabalho pois apesar da necessidade de mais profissionais desta área, não é minimamente valorizada. 


4. Desde do começo da "crise" sentes que alguma coisa mudou na maneira das pessoas vos verem?
Outro dia lia uma notícia que indicava que a Crise aumentou agressões a assistentes sociais...

Todas as profissões têm os seus riscos, as agressões são sem dúvida um dos riscos da profissão especialmente porque muitas vezes intervimos nas necessidades elementares do ser humano levando a respostas "viscerais". Neste momento há mais pessoas que não têm as suas necessidades primárias salvaguardadas, logo há mais reacções a quem trabalha no terreno, mas a forma de ver a profissão penso que é a mesma. 
Pessoalmente já fui agredida, roubada, achincalhada mas nada que me tenha afetado muito pois acabei o curso completamente consciente que era um dos riscos que teria que ter no dia a dia, e todos os dia (apesar de estar agora desempregada) preparava-me para todas as eventualidades. Contudo fui sempre buscar força para continuar, à mesma "fonte": às pessoas para quem intervinha e para mim o saldo é francamente positivo. É como a história do Monge e do Escorpião: 
"Um monge e os seus discípulos iam por uma estrada e, quando passavam por uma ponte, viram um escorpião a ser arrastado pelas águas.
O monge correu pela margem do rio, meteu-se na água e pegou no bichinho com a mão.
Quando o trazia para fora, o escorpião picou-o e, devido à dor, o monge deixou-o cair novamente no rio. Regressou à margem, apanhou um ramo de árvore, adiantou-se outra vez a correr pela margem, entrou no rio, colheu o escorpião com o ramo e salvou-o.
Depois, juntou-se aos seus discípulos na estrada.
Eles tinham assistido a tudo e estavam perplexos e penalizados.
- Mestre, a picada deve estar a doer muito! Porque foi salvar aquele bicho ruim e venenoso? Que se afogasse! Seria um a menos! Veja como ele respondeu à sua ajuda! Picou a mão que o procurava salvar! Não merecia a sua compaixão!
O monge ouviu tranquilamente os comentários e respondeu serenamente:
- Ele agiu conforme a sua natureza, e eu de acordo com a minha.”

A natureza do Serviço Social é intervir mesmo que leve picadas, compete-nos aceitá-las, aprender e usar técnicas para as contornar como o ramo que o monge usou. 

Agora há um elemento para mim essencial, trabalhamos normalmente com pessoas com baixa auto estima, que já levaram muita "pancada" nos seus percursos de vida, tem que se ter muita atenção à forma como os abordamos e devemos sempre acentuar mais os aspetos positivos, as potencialidades que têm. 
Exemplo, nas comunidades com que trabalhei em contexto de Bairro, identificavam sempre como um dos maiores problemas a imagem que se cria do "Bairro". Houve uma altura que uma Instituição numa entrevista com um meio de comunicação ao lhe perguntarem como era o Bairro, só falaram dos seus problemas, e na minha opinião um pouco de forma exagerada (porque também dá jeito)...
A seguir essa instituição teve uma "espera" de um grupo de pessoas à porta... 

5. Se voltasses atrás, escolherias novamente esta profissão?

O curso de Serviço Social sem dúvida, foi das melhores decisões da minha vida. As experiências profissionais passadas, não as mudava, mas estou numa fase em que trabalho em qualquer área, desde que sinta que faça sentido e que goste do que faço.


6. Se por um dia mandasses, que mudanças farias na área da assistência social?

Primeiro legalizar a Ordem dos Assistentes Sociais para que o Serviço Social estivesse protegido. 


Os abonos das crianças e jovens, os subsídios por invalidez, por assistência etc., com valores de acordo com o nível de vida e não a desrespeitar a vida das pessoas e das famílias. 

As mulheres puderem decidir ficar seis meses, um ano ou dois em casa com os seus filhos a receberem o subsídio parental. E venham-me com a conversa de não existir dinheiro que eu respondo que a gestão de recursos económicos num Estado está relacionada com a decisão para onde vai em primeiro, segundo, terceiro lugar o dinheiro de acordo com o que se valoriza, quando oiço isso gostava que me apresentassem uma tabela com as quantias que entram das contribuições das pessoas e empresas e quanto se gasta, se o saldo é negativo então que se coloquem pessoas com imaginação nos lugares de decisão (que é o que nos falta) de forma a equilibrar essas contas ajustando as receitas e as despesas. Como Assistente Social acredito que se valorizamos as pessoas e famílias em primeiro lugar estas impulsionarão o país para o desenvolvimento e logo o desenvolvimento da economia. 

Desenvolver rapidamente um diagnóstico das necessidades de cada serviço para que tivessem os recursos adequados. Vou dar um exemplo: existe um Tribunal de Família que abrange quatro concelhos e que tem quatro técnicos da Segurança Social afetos (chamam-se EMATS Equipas Multidisciplinares de Apoio aos Tribunais) para realizar os relatórios e acompanhamentos necessários para que o Tribunal possa decidir/atuar, (da ultima vez que falei com um técnico estavam com um atraso nos processos de  um ano e meio). O processo de contratualização dos técnicos necessários seria realizado por um departamento autónomo, minimizando as "Cunhas".


Existir uma maior exigência e inspeção ao terceiro sector (Instituições Particulares de Solidariedade Social, Misericórdias, Fundações, Associações de Solidariedade) de forma a não existir abusos. E  promover, com as instituições que excedam as expectativas, mais respostas quer formais quer informais para responder às necessidades das pessoas e populações.

 Criar Gabinetes de Intervenção de Proteção de crianças e jovens em Risco e defesa dos Direitos dos Idosos, tendo técnicos com vínculo efetivo aos gabinetes e que se especializassem na problemática. Acabava com as Comissões!


As ajudas pecuniárias, quer no R.S.I. quer na Acão Social,  fossem mais eficazes. O Estado quando dá dinheiro é porque é seu dever ajudar devendo-o fazer e não só dar meia dúzia de tostões e deve ter técnicos muito bem formados que acompanhem quase no dia-a-dia essas pessoas para que as razões que os levam aos serviços deixem de existir e não exista a famosa subsidiodependência.




Contudo a área que defines como assistência social faz parte de uma maior "engrenagem" e se vivemos numa sociedade que não promove o emprego com salários justos, com vínculos estáveis,  respeitando o individuo e a sua vida privada, e ainda sou mais utópica que não promova que todas as pessoas construam o seu projeto de vida tendo como um dos objetivos  trabalharem de acordo com as suas competências e capacidades e motivações (EDUCAÇÂO), essa área não poderá prosseguir em pleno os seus objetivos.



O meu muito obrigada à Rute pelo seu testemunho.



de Lisboa, com amor
*a Lisboeta*

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